quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Andando pelas ruas: entenda a forma urbana da sua cidade

Arquiteto e urbanista explica alguns tipos de “tecido urbano” que se repetem em diferentes países

 Por Rodrigo Izecson de Carvalho*

Por que gostamos tanto de caminhar sem rumo pelas ruas de Paris, Barcelona, Londres ou mesmo Buenos Aires, e evitamos repetir a experiência pelas ruas de São Paulo ou de outras cidades brasileiras? Há várias razões, mas eu vou arriscar um palpite menos lembrado do que a beleza dos prédios, a limpeza das calçadas, a ausência de fiação aparente, mas não menos importante do que tudo isso: a forma urbana, ou tipo urbano, como os arquitetos costumam dizer.

O conceito de tipo urbano é simples; da mesma forma como existe um número limitado de tipos físicos, e todas as pessoas se encaixam mais ou menos num dos tipos pré-estabelecidos, também podemos olhar para as cidades sob a ótica dos tipos urbanos. Assim, encontraremos alguns tipos de “tecido urbano” que se repetem, independente do país em que estejamos. Discutiremos aqui três destes tipos (vou falar de outros dois no próximo texto da minha coluna). 

Há aquele tipo urbano tecido pelos próprios habitantes locais, sem um projeto prévio ou qualquer planejamento. O resultado é uma série de construções geminadas umas às outras. Há, nesses casos, cidades onde os “cheios” predominam sobre os vazios. Os acessos são feito por ruelas estreitas e “quebradas”, e o espaço livre é escasso. Este tipo de forma urbana, marcado pela alta densidade de pessoas, está expresso nas citadelas medievais da Europa, nos vilarejos caiados de branco das ilhas gregas, ou mesmo em nossas favelas, cujos problemas de saneamento e renda ainda estão por resolver.

Outro tipo urbano, menos espontâneo, pode ser visto em Paris, Barcelona, Londres, Buenos Aires e outro sem número de cidades europeias. Trata-se daquele formado por edifícios de 4 a 6 pavimentos, sem recuos frontais ou laterais, em que o limite das calçadas é definido pelo alinhamento dos próprios edifícios. O fato de que estas cidades tenham sido tecidas antes do advento do elevador trouxe consigo a limitação do número de pavimentos, o que acabou por contribuir, sem querer, para a grande uniformidade na altura dos edifícios. É interessante notar como uma limitação técnica contribuiu para a beleza desses lugares.

Outro trunfo da cidade “europeia” diz respeito à experiência do pedestre ao caminhar pelas calçadas. O comércio não poderia estar em outro lugar que não no térreo dos edifícios. Aos apartamentos e escritórios ficaram reservados os demais andares. Como resultado, as cidades tornaram-se agradáveis aos pedestres, que caminhavam (e ainda caminham) sempre ao lado do comércio.

O uso misto (com comércio e apartamentos num mesmo edifício) se mostrou vantajoso por mais uma razão: a cidade passava a ser utilizada dia e noite, com claras vantagens à segurança de todos. E, por fim, este tecido, de densidade populacional e de usos uniformes, fez com que o fluxo de pedestres e automóveis também se mantivesse uniformemente distribuído pela malha urbana e, sem grandes fluxos pendulares, não foi necessários criar obras viárias custosas e carregadas de efeitos colaterais, como pontes e avenidas de alto tráfego.

Agora, vamos para o terceiro modelo ou terceiro tipo: o modelo da cidade formada por torres. Esta forma de cidade, que havia alcançado sua expressão mais forte na Nova Iorque e na Chicago dos nos anos 50, ganhou novo fôlego com as capitais dos tigres asiáticos nos anos 90/2000, e, mais recentemente, com as metrópoles da China e novas cidades do Oriente Médio. Não há dúvidas de que esta é a tipologia mais ligada aos valores do capitalismo, do predomínio do individual sobre o coletivo, da competição pelo mais alto. Vale a pena voltarmos um pouco no tempo, e relembrarmos como tudo começou.

Não faz sentido falarmos em torres altas sem que recorramos aos avanços da técnica, em especial, ao advento do elevador, do concreto armado e da construção em aço; todos do início do século XX. Tão logo os velhos (e pequenos) edifícios começaram a dar lugar às torres, os problemas começaram a surgir. Construídas sobre uma “matriz” projetada para a baixa densidade, a malha viária e o parcelamento dos lotes da cidade antiga nem sempre se mostraram adequados às novas formas que surgiam. As torres, além de sombrearem as ruas, por seu uso único (geralmente estritamente comercial), começaram a alterar a uniformidade dos fluxos de pessoas, gerando problemas de transporte pendular hoje crônicos na maior parte das cidades. Para os problemas de ordem sanitária (causados em grande parte pela falta de sol nas ruas), uma série de leis começou a surgir, todas na mesma direção: as leis de zoneamento e os códigos de obras das mais variadas cidades passaram a contar com índices de ocupação e recuos mínimos, de frente, lateral e fundo – sempre visando um mínimo de sol e de ventilação.

No Brasil, em especial, a preocupação com índices para cada um dos lotes, passou a dominar as legislações urbanas municipais, sem que houvesse, no entanto, uma preocupação com a forma urbana, com os edifícios vistos em seu conjunto ou com a inserção de cada novo edifício no contexto de seus vizinhos já construídos (abordagem hoje comum nos países desenvolvidos, mas ainda inexistente por aqui). A própria existência de um tecido urbano compacto como o de Paris, Barcelona ou Buenos Aires é hoje proibida por lei no Brasil, pela exigência de recuos (cada vez mais questionáveis) a cada uma das edificações. Vai entender!

Olhando em retrospecto, constatamos com tristeza que, em especial no caso brasileiro, ao trocar a cidade “europeia” pelo progresso da cidade “americana”, acabamos abrindo mão das vantagens de um modelo sem atingir os benefícios do outro. Ficamos pelo meio do caminho...

Para piorar, nossa insegurança justificou a construção de muros, nossos problemas crônicos de transporte pendular justificaram a construção de vias de tráfego pesado, e fomos, sem querer, criando um tecido urbano próprio, bem brasileiro; uma estranha colcha de retalhos de casas e galpões entremeados por torres altas, cada qual isolada no centro de seu lote por recuos obrigatórios. Ao pedestre, coitado, restou caminhar (quase sempre) entre um muro e uma via de tráfego pesado, talvez sonhando com uma ida à Europa, nas férias, apenas para ter o prazer de vagar pelas ruas da cidade.
 *Rodrigo Izecson de Carvalho é arquiteto e urbanista formado pela FAUUSP e pós-graduado em administração de empresas pela FGV. Trabalhou nos escritórios Brasil Arquitetura e Sidônio Porto Arquitetos, e nas incorporadoras Idea!Zarvos e Even. É sócio da Trópico Arquitetura, escritório focado no projeto de edifícios e loteamentos.

Fonte: imovelweb

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